segunda-feira, julho 23, 2007

Anastácia Teodoro

Essa é a Anastácia. Anastácia Teodoro.

Para mim a Anastácia é uma das pessoas mais queridas da família. Todos irmãos assim a consideram. E a anastácia ainda ajudou a cuidar dos mais novos. Era da família. Era de casa.

Sempre quando voltávamos a Inconfidentes, procurávamos saber da Anastácia. E hoje, ao retornar, vejo a Anastácia vitoriosa pela vida, uma orgulhosa criatura. Brasileira. Mineira, alma liberta. E por suas próprias crenças e valores, governa a própria vida. E segue altaneira.

Nunca vi a Anastácia submissa.
Quando a Anastácia está brava, eu sei, ela faz bico para mim.
Mas quando ela não faz, está tudo certo. E tudo está em paz.

Na prática, era a "irmã do meio" da família. E ia buscar o Kika e Duba na saida do colégio daquela época (GE - Felipe dos Santos) . Garantia a "segurança" dos protegidos contra uns meninos mais fortes dispotos a resolver "diferenças" na saída da escola...

Pois onde a Anastácia estivesse, em volta impunha logo o respeito. E em Inconfidentes a Anastácia sempre foi rainha. Sempre pisou o chão como pisam as rainhas. E por tudo enfrentou a vida com coragem e alegria.
Pois uma das mais queridas imagens ficou, quando certa vez voltara a Inconfidentes em rápida pássagem: Pois por minha surpresa e alegria, vi a Rainha do Carnaval. E o carro alegórico parava frente à casa, esquina onde antes morávamos. Pois era a Anastácia em cima. Talvez ela não se lembre. Mas ficou e guardei: o aceno da mão. A linguagem das mãos. Mão, olhar e carinho no ar.

Aliás, é engraçado agora reparei ao lembrar disso. Sempre onde estivemos, falamos a linguagem das mãos. E sempre falaram carinho e respeito marcado pelo ar. Dança. Coreografia da vida. Enfim tudo comunicado: cada simples gesto. E assim cada qual pisou o mundo, cada qual com sua linguagem a somar caminhos. E hoje andados mundo afora - cada trilha de Inconfidentes, cada qual. Caminho guardado. Pisar contionuado, gestos e silêncios andados.

Pois a Anastácia é irmã do Toninho. Para mim também outro irmão da época.

Tinhamos a mesma idade. Toninho, outro membro da família sempre por perto lembrado e querido de Inconfidentes inteiro. E por todos respeitado.
E ele era o craque da bola. E eu o perna de pau - apesar de tentar. Toninho era o requisitado titular de todos os times daqui da região. E eu modesto "segundo quadro" no time da Escola e vez por outra também acertava - meio ajudado pelo acaso.

Mas sem ser por acaso, tinha de tirar o chapéu para o Toninho quem aliás mostro abaixo, aí na foto - tempos atras.
Já é o Toninho - Avô. E nos braços a neta Fernand(inha). E o Marquinho, sobrinho da Anastácia e filho do Toninho, também já foi eleito uma vez vereador aqui em Inconfidentes.
Pois falar da Anastácia é falar da família. Dessa família, dos mais antigos de Inconfidentes.
Aliás, em quem a gente confia por nunca precisar trair a verdade. E pela vida simples e honrada onde nada se precisa mentir ou esconder, resta a alegria de ver a Anastácia passar frente à casa. Ou pelas ruas de Inconfidentes a cruzar caminhos. Cada qual, tenho certeza, leva guardado o carinho pelo passo seguinte. Coisas de velha amizade. Guardados de memória estendidos pelo tempo.



sábado, fevereiro 24, 2007

Carlos Resende Júnior

Homenagem a uma pessoa honesta

Hoje vou pedir licença aos leitores desse Blog para homenagear especialmente uma pessoa simples e do povo que conheci dia desses. E quero aproveitar esse espaço onde em Inconfidentes de juntam os melhores exemplos vindos de Ouro Fino.

Claro, também desejar a continuação dessa boa influência vinda daquela cidade - antiga sede de onde tantos vieram - pois desde a nascença de Inconfidentes, a antiga "Colonha" sempre foi e continuará ligada a Ouro Fino. Pois cumpre destacar esse rapaz, funcionário de um conhecido posto de gasolina naquela cidade onde trabalha - junto com outros funcionários - certamente, também, anonimamente exemplares e honestos.
Pois trata-se do frentista Carlos Resende Júnior, funcionário do Auto Posto Posto Rodrigues - situado na descida da Rua Prefeito José Serra, mostrado na foto abaixo.


Mas o fato é o seguinte: pouco antes do natal, ainda no ano passado, ali abasteci. Paguei com cartão de crédito e, distraído, fui embora. Semana depois, ainda nem tinha dado pela falta falta desse cartão. Sequer dele lembrara pela simples falta de uso nesse tempo. Pois assim, sem nada imaginar, para minha grande surpresa recebo um telefonema de Ouro Fino. Era o Carlos. Avisava: eu alí havia esquecido o tal cartão. Pois o Carlos, ao invés de fazer como outros espertalhões a proliferar por essas bandas por outros meios mais trabalhosos (sem tais "achados" caídos do céu), pôs-se a investigar quem era o dono para devolve-lo. E saiu a perguntar até encontrar meu nome na lista telefônica de Inconfidentes.

Claro, ao invés de devolver, durante esse tempo poderia (fosse menos honesto), fazer uma pequena "festa" se quisesse (apesar do limite), pois de minha parte nem sequer havida dado pela falta para pedir bloqueio.
Pois tenho certeza: pode se orgulhar o patrão desse funcionário exemplar, hoje verdadeiro "cartão de visitas" moral e pessoal do Auto Posto Rodrigues em Ouro Fino - visto na foto. Parabéns ao Carlos. Parabéns ao patrão do Carlos e seus colegas. Saúde, paz e progresso a todos!

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Enéas Soares


Outra delicada lembrança não poderia faltar nesse Blog. Enéas Soares, idos de 1960. Compunha ele próprio a paisagem de Inconfidentes - sempre a subir no trajeto até a entrada da Escola à noitinha - após jantar na casa de sua mãe. Alguns dos mais antigos moradores, decerto acertavam seus relógios pela subida do Seu Enéas de hábitos e rotinas tão marcadas no tempo. Enfermeiro da antiga EAVM, era querido de todos, sempre amável e delicado.

Evidentemente não haveria pessoa mais dedicada em amor à humanidade e pureza de espírito juntado em cuidados aos "meninos" - assim ele chamava os alunos da Escola. Pois era ao Enéas a quem recorríamos ao primeiro espirro de gripe... ou pé torcido depois das peladas no páteo ou campo de futebol - embora quase sempre tudo terminasse tratado com uma "cibalena", o então santo remédio para tudo.

Mas a gente até abusava depois! Pois muitas vezes, fingiamos estar gripado ou coisa que ou valha apenas para ficar "
internado" na enfermaria: para assim.... tirar uma folga nos trabalhos do campo. Mas aí Seu Enéias depois de chamar o Dr. Antônio castigava: tacava uma injeção onde ao final ficávamos a sentir "gosto de eucalipto" na boca...

Naquela época ainda não havia televisão. Tudo era transmitido pelas ondas curtas do rádio entre chiados e assobios sem fim. Localmente, era o radinho do Seu Enéas quem mais irradiava para o mundo circundante as "
paradas de sucesso" musicais da moda - coisa que sempre ficávamos a ouvir ao passar por perto da janela do seu quarto (na direção do portão à entrada de enfermaria - foto). Assim, inesquecíveis ficaram algumas músicas de 1959 como "estúpido cupido", cantada por Celly Campelo logo ao início de sua carreira.

Aliás, ao quanto lembro, música várias vezes repetida durante o dia:


"Oh! oh ! Cupido, vê se deixa em paz,
Meu coração que já não pode amar
Eu amei há muito tempo atrás,
Já cansei de tanto soluçar
Hei, hei, é o fim
Oh, oh cupido vá longe de mim"...



Muito tempo depois, ao voltar a residir em Inconfidentes e atacado de insônia lá pelas 3 horas da madrugada resolvi da uma voltinha enquanto por outro lado a neblina recobria luzes nos postes. Fui sentar num banco da praça. Pois alí também voltei a encontrar o Enéas - mais um vulto assentado na solidão da noite. Também insone, contemplava o mundo cercado pelo silêncio ao redor. Já estava aposentado e morava sozinho: "eu... e Deus", assim respondeu com a mesma e afetuosa tranquilidade. Era o último habitante da casa da Dna Ita. Convidou-me a entrar. Mostrou o interior onde tudo parecia intocado entre frascos, retratos, toalhas, bibelôs e lantejoulas - desde o quarto da Terezinha: pois seus antigos moradores ainda pareciam presentes pelos móveis e arrumações. Aliás, na sala ainda chamava a atenção a antiga vitrola - móvel solenemente recoberto por um vaso florido sobre um pequeno manto bordado; tudo como se estivesse pronta para de novo reproduzir os mesmos "long-plays" em vinil. Ou os velhos "78" - onde decerto Lucho Gatica ainda cantaria o indefectível "Perfume de Gardênia" :

"Perfume de gardenia,
Tiene tu boca, bellísimos destellos de luz en tu mirar;
Tu risa es una rima, de alegres notas,
Se mueven tus cabellos cual ondas en el mar.

Tu cuerpo es una copia de venus y citeres,
Que envidian las mujeres cuando te ven pasar;
Y llevas en el alma la virginal pureza,
Por eso es tu belleza de un místico candor.

Perfume de gardenia,
Tiene tu boca;
Perfume de gardenia,
Perfume del amor".
-

(música composta por Raphael Hernandez)

Pois em sua homenagem reproduzo a letra dessa música junto com a última lembrança do Enéas - continuada enquanto voltava para casa, cercado desta vez pela neblina dos tempos.








sexta-feira, janeiro 26, 2007

Delcy Doná


Meu amigo Delcy Doná, quem diria!

Foram precisos 40 e tantos anos para voltar e reencontrar! E a nos falar como antigamente - tamanhos desvios e outros caminhos cada qual tomou nos destinos pela vida.

Pois o Delcy Doná foi meu “arqui-rival” na arte de dirigir o F-600 aquele imenso caminhão (Ford - 1958) amarelo. O qual tinha freio a "bafo". Era pisar no freio e ouvir o "chiadinho" do ar pelo “bafo”. E mesmo se precisar, a gente dava duas, três bombadas só para ouvir... E depois também gostávamos de escutar a carroceria ranger, gemer e estalar quando carregada. No mais das vezes, juntado a esse prazer, carregar a ruidosa "zalunera" e torcidas por aí a jogar futebol por esse mundão.

No mais, vamos reconhecer. Aquele velho caminhão (ultramoderno na época) marcou o início dos anos em Inconfidentes muitas vezes como a única “condução” disponível – pois as vezes a jardineira do Irineu volta e meia “estercava”. Pois sempre a vencer atoleiros no tempo das águas, buraqueiras, costelas de vacas e, anunciar chegada pelo levante de nuvens de poeira no tempo das secas, rodou os caminhos do bom Deus a deixar para trás chuvas e trovões por onde passava veloz, soberano... e no retrovisor ficavam os restos dos carros: perdidos na poeira ou atolados na lama.

O Delcy era bom motorista. E por isso, nesse jogo metalinguístico da eterna juventude transviada ou não, empinava-se nariz - tanto em Copacabana e Ipanema como no Meyer ou em Inconfidentes – para não esquecer o Sapopemba. Mas ele me respeitava como mecânico, isso eu sentia. Aí, eu empinava o nariz. E aí ele sentia. Por vezes ele apanhava à-toa para fazer motor de carro velho “pegar(manivela era equipamento “normal”). Principalmente, sei, o Delcy detestava o Allis Chalmers... um velho trator de roda de ferro e bitola estreita na frente (aliás perigoso por esse motivo: pois ao encontrar o mesmo obstáculo, as duas rodas muito juntas tomavam a direção e davam um golpe no volante; se o polegar não estivesse fora do "guidon"...). Mas nesse dia, o Delcy já estava há um tempão dando manivela... Mas aí... cheguei perto... foi só "arrumar" o condensador. Pois taí: eu juro que não foi maldade minha, pois eu não tinha ainda terminado o distribuidor - tinha deixado para o dia seguinte... E o Delcy cercado pela platéia bem humorada pelo aparente “vexame técnico”, não poderia adivinhar pois aparentemente por fora tudo estava “montado” - junto ao magneto. Mas... faltava colocar o condensador... pelo lado de fora. Pois naquele dia ninguém saiu pra arar o milharal do bom Deus! E agastados, chovemos raios e trovões entre mensagens ocultas pelos afagos da mente.

Mas eu acho que isso ficou atravessado na garganta do Delcy por um bom tempo, coisa que depois se manifestava na metalinguagem da disputa pela "posse" do portentoso caminhão F-600 amarelo alaranjado. Pois um dia com esse instrumento ele se vingou. Literalmente, comi o pó lembrado até hoje - para dizer que ficou bem “vingado”. Pois de pó e poeira foi o quanto para mim bastou para o resto da vida.
Pois um dia, meu pai ia viajar para o Rio de Janeiro. E ia na velha perua da escola, uma estranha arquitetura de madeira com carroceria construída em cima de um chassis de caminhonete (Chevrolet – 1948) a mais lembrar diligências do “velho oeste”.. E isso, diga-se de passagem, até antes dessa caminhonete ser reformada - depois de tanto andar remendada com esparadrapo e fita isolante nas mangueiras do radiador a ferver (nunca paravam de pingar e, nos lugares onde a hélice de vez em quando achava de raspar...). Mas, ainda, antes de chegar a esse estado intentava essa viagem. Porém, pouco antes de chegar em Pouso Alegre, a perua "estercou" de vez. Foi a “viagem do sapo”, como se dizia.

Dessa vez, os roncos na caixa de câmbio foram aumentado... até que roncou de vez e fim. Claro, em carro velho a gente sempre andava prevenido. Tinha ferramenta e remédio pra tudo... Mas pra câmbio estourado não deu. Ali plantou. Logo voltados de carona, retornados à base em Inconfidentes, fomos buscar a perua então abandonada, largada à margem, embora cuidadosamente com vidros fechados para "dar moral" em carro chapa branca. Pois viemos busca-la com o caminhão F-600. Dirigido, claro, pelo colega Delcy.
Aí, voltada para Inconfidentes, corda amarrada no pára-choque, tive de engolir o poeirão da estrada de terra que o bom Deus caprichava - quando queria enfeitar os céus com nuvens de poeira. Pó fino, nuvem contínua... E para desgraça total, nem o limpador de pára-brisa da perua funcionava. Pois naquela época os limpadores de pára-brisa ao invés de serem elétricos (olha só que luxo de dar inveja! isso havia no F-600!), funcionavam com o "vácuo" do carburador a aspirar uma pequena "bomba" em movimentos alternados.... (detalhe: só funcionva se o motor estivesse ligado. O maior poder de aspiração eram nas desacelerações pelas descidas! Nas subidas, com o motor forçado, até paravam...). Logo, para mais perfeita vingança do Delcy, o pára-brisa da perua a quem me tocou "dirigir" (rebocada só com a corda e sem nenhum "cambão"), era uma cascata de poeira e escorrer. Era a paisagem amarela do mundo circundante que restava enxergar, fora o restante da parte interna do veículo com vidros fechados para pelo menos manter a poeira interna em menor grau de circulação alada a recobrir sobrancelhas.

Embora naquela época nem eu e, decerto, nem o Delcy tivéssemos muita consciência da metalinguagem da eterna juventude então empregada, ao chegar... tudo para mim se aclarou depois de passados esses 45 anos! E as poeiras foram retiradas para fora do entorno do passado. Pois naquele momento, devidamente resgatada a perua, restava o sucesso a comemorar depois dessa façanha semi heróica entre vinganças históricas e “guerras de poder” juvenil oculto: Pois aí entendi: troquei, sim, foi um condensador faltante num velho Allis Clalmers, por toneladas renovadas de poeira proporcionadas por um modernoso F-600 competentemente aplicadas pelo Delcy. Como se para “desempinar” nariz indevidamente empinado, coubesse juntar no poeiral do trajeto escolhido as maiores jazidas desse precioso mineral solto por onde mais camadas de pó houvesse. E eu, humilhado, restava seguir o rumo sua ditadura ouvida do cano de descarga a marcar a impiedade do castigo, misturada aos barulhos aleatórios das latarias identificados nessa pilotagem (vôo cego) de quase uma hora. Tudo, abastecido de poeira espessa, bem servida - onde método para saber se iria ou não entrar em traseira de caminhão, seria "manter" a corda esticada – para ter certeza de que tudo estaria “bem”. Pois foi verdadeira guerra de poder marcada pela potência aplicada pelos pés de cada um em cada pedal: freio... o meu. Acelerador... o Delcy. Verdadeira disputa poder (mecânica) aplicada entre vivências na oficina mecânica da Escola Agrícola onde reinava o todo poderoso Chicão - chefe da oficina - sempre a dizer que "um gambá cheira o outro de "longe" e, com ele, tudo teria de ser em cima do "isquema", claro, naqueles idos tecnológicos de 1960 onde se lixava ponta de biela para apertar "motor rajando".
* * * *

Tenho certeza: o Delcy , na potência folgada e disparatosa do F-600 e sem ver nada no retrovisor senão a própria nuvem de poeira atrás da qual sumíamos, esquecia que rebocava uma velha "patinete" a quase andar empurrada, desconjuntada nas juntas e a bater portas e pára-lamas a cada solavanco (cujo freio tinha de dar duas ou tres bombadas para começar a pegar, cada vez que largasse). Ao fim de tudo, o Delcy, não sei se apiedado pela falta do "revesamento" que eu em vão esperava acontecer em Borda da Mata, ao descer da boléia do caminhão depois de faze-lo "esguichar" três vezes o ruído do seu aparatoso freio à "bafo", bater a porta com olhar e sorriso irônico - comentou: "hehehe... senti que voce freiava"... E eu, a contabilizar o acréscimo de Borda da Mata também a escorrer em torrentes de poeira respondi: "pô... e você acelerava, meu!"


* * * * *

E naquele tempo, Inconfidentes não tinha calçamento. Só para ter uma idéia, a depender da época, até cachorro ao atravessar a rua levantava poeira. Quanto mais o F-600 - mesmo quando queria fazer o favor de passar devagar. Tempos depois foi o Delcy quem me levou à Ouro Fino no próprio F-600 para embarcar para Campinas onde permaneci a percorrer outros caminhos há 45 anos atrás. Mas aí, dei o troco: ao subir no requestado caminhão dos tempos idos, antes de soltar foguete pela vitória final, tirei o sapato... bati o pó. E o deixei, devolvido pro Delcy: era o restinho do que ainda havia sobrado dessa “tertúlia” poeirenta!

Hoje Inconfidentes tem calçamento. Está urbanizado, enfeitado, árvores e canteiro.

Mas são os mesmos caminhos por onde já trilhamos. E para mim é um prazer cruzar e rever esse velho amigo, hoje funcionário da prefeitura, aposentado, sempre visto entre o Bar do Maurão e o Posto Central. Ou seja, pelas adjacências da "oficina mecânica" que um dia existiu como espírito – ao qual junto o humorado “isquema” do exigente Chicão para tudo ficar em boa ordem. Mas ainda existe, como se vê, continua a existir por personagens circundantes. e circunvagantes como partes do “pedaço”. Vida longa Delcy!

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Humberto Guidi




Humberto Guidi (1900-1969). Não poderia faltar o seu Humberto, talvez dos mais antigos e sinceros amigos do meu Pai. Lembro, pois dele falava quando era menino. Aliás, lembro sempre dele sempre falar do Humberto e do Georgino (Paiva) como pessoas muito prezadas - isso por volta de 1945. Dizia haverem-lhe trazido um belo cavalo manga-larga, coisa que não cansava de lembrar associada a esses dois velhos amigos.


Enfim, conheci o Humberto depois, em pessoa (1958), quando aqui voltei e virei aluno na Escola Agrícola, onde ele era o almoxarife. Guardava e escriturava o patrimônio da EAFI como "carga" (significado que todos entendiam). Pois todos funcionários tinham "cargas" sob responsabilidade pessoal por patrimônio público especificado a zelar pela guarda, uso e manutenção. Sem dúvida, era coisa das mais bonitas e saudáveis na administração pública essa delegação de atribuições ao funcionário sob firmeza de responsabilidade, fosse de qual fosse a hierarquia - pelo governo da época.


Pois em relação também extensiva às próprias terras da EAFI, era o Humberto o virtual fazendeiro quem respondia pelo patrimônio público para o qual fora nomeado para zela e cuidar como se fosse seu - sob contas a prestar. Pois ninguém poderia mover palha ou qualquer coisa em qualquer lugar sem primeiro o Humberto colocar seu “chamegão” e licenciar uso. Claro, não adiantaria diretor nenhum dar "ordem". Pois para bom uso de bem material, ele respondia direto ao governo. Como respondiam direto ao governo qualquer funcionário sob "cargas". Tinham consciência da força estatutária para plenamente exercer atribuições.

Portanto, por mais autoritário que fosse qualquer diretor, não haveria subserviência. E o Humberto era a prova viva disso. E dou testemunho: a "linha dura" na EAFI (antiga EAVM), era mesmo com o Humberto Guidi. Só atendia se estivesse de acordo. E palavra do Humberto era final. Se tinha material, fazia. Não tinha ou nâo tem verba? Espera. Pronto. Tava resolvido. Resolver? Problema do Governo, porque dalí (Humberto) não passava.

Pois o seu Humberto Guidi era linha dura até com ele mesmo. Não freqüentava boteco.

Se não estava na escola, estava em casa de pijama.

Para azar nosso, meu e dos meus irmãos, ele morava vizinho em casa pela rua ao lado. Porém de fundo para o quintal - local onde depois foi construída a casa onde hoje mora a Dona Clara casada há mais de 70 anos com seu Pedro (Pereira) - também saudoso funcionário da EAVM. Certamente o azar nosso hoje seria compensado com a docura da Dona Clara se antigamente ela ali estivesse intercalada. Pois sem isso e, pelo quintal vazio, a braveza do Humberto irradiava furores pelos ares a vazar acima dos muros. Os quais eram diretamente captados por meu pai em frequência modulada, ondas curtas e médias. Talvez isso explique em casa coisas do tipo "quem bate pode não saber porque... mas... quem apanha o sabe"! Taí agora entendido: só podia ser "irradiação" do seu Humberto chegada através do muro direto, por "osmose" transversa! Por isso, quando a gente andava e molecava por aí em Inconfidentes, tudo tinha de andar na linha com o Humberto pois, tinha certeza, levaria cascudo de modo indireto.

Mas fora a molecagem que ele sempre soube espantar, o Humberto tinha mesmo razão em ser uma fera. Também pudera: com aquele monte de filhas (todas bonitas), dessas que a gente nunca se cansava de ver como todo molecote atrevido gostaria de assistir desfile de misses! Pois um dia a Edméia foi-me apresentada pela Dagmar (então namorada do meu irmão Gabriel); confesso: fiquei deslumbrado pela menina graciosa, a merecer o título dado pela irmã - e pelo deslumbre da veste branca encantada: ..."Olha aqui a Mis Brasil". Pois nunca mais vi a Edméia desde 1962. Mas fica aqui minha homenagem pela imagem sempre carinhosa que ficou). Lógico, o Humberto tinha mesmo de ser uma fera, para confirmar pelo universalismo as teses do Nelson Rodrigues: tanto no Meyer como em Jacarepagua ou Inconfidentes.

Mas além disso ainda haviam as outras irmãs que não ficavam atrás. E fazer serenata por ali a menos de 50 metros... era alto risco. Mas hoje, hoje quando encontro pelas ruas as antigas meninas, não há como deixar de ser: surgem como "cúmplices"existenciais de uma época vivida em comum, enquanto o tempo parecia infinito, a escorrer de vagar. E a cada encontro casual na cidade percebo o olhar antigo atrás de quem esconde o próprio Humberto Guidi num canto de sorriso. E tudo volta à velha Inconfidentes momentaneamente trazida ao contôrno - onde só falta voltar a poeira às ruas. Pois naquela época a gente levava cascudo sem saber porque. Se o Breno levava não sei. Mas sei sobre a gente lá em casa, depois de andar feito "plaboy" por aí... só porque eramos vizinhos, filhos de pai também nada manso a tudo captar - feito ondas de rádio amador!

Mas, pedagogias corretivas à parte, com o seu Humberto era assim. Tudo tinha que estar em ordem. Senão, era como ele mesmo dizia: o pau comia. Mas... havia atrás de tudo isso, também, outro Humberto. Era o Humberto, velho amigo do meu pai visto a dividir prosa alegre sobre manga-largas e assuntos de outras épocas - além de carinhoso pai quando falava de suas filhas e traia o ”xodó” pela caçula... tudo para depois realçar valor e fibra do Breno, meu colega, mesma turma na EAVM (1962).

Sinceramente... Se hoje o Humberto desse uma voltinha pelas terras da EAFI, como o zeloso "fazendeiro" a quem era afeto o patrimônio da Escola por delegação do governo (sua “carga" funcional), sinceramente acredito: torceria o pescoço de muita chefia atrevida que hoje derruba bosque de árvores do próprio patrimônio apenas para construir e mostrar estrepitoso barracão emprenhado de vaidosa futilidade à margem da utilidade. Jamais permitiria isso, tenho certeza. Iria conferir. Daria "parte" direta ao governo.

Pois Humberto Guidi é parte do romance universal, sem dúvida! Aliás, como são partes do romance universal o antigo prédio da Escola Agrícola - no livro do Raul Pompéia chamado "O Ateneu". É ler e conferir. Como também são partes do romance universal os quatro alto-falantes encimados na torre da igreja - virados para os quatro cantos da cidade, como Giovani Guareschi imaginaria aqui o "pequeno mundo" do seu Don Camilo às voltas com Peppone. E como também o cinema do seu Marcelo - praticamente foi contado pelo Giuseppe Tornatore no filme "Cine Paradiso". É ver e conferir. Pois toda donzela tem um pai que é uma fera.