domingo, dezembro 31, 2006

Gabriel Vilas Boas



Complexo familiar
:
foto e formatura do Bié
(EAVM, 22/12/1958)


O "complexo de família", este seria o tema mais apropriado para as imagens dessa foto, formatura do Prof. Gabriel Vilas Boas na antiga EAVM ao concluir o curso de Mestria Agrícola. Como aluno, contemporâneo, nessa época o Bié era dois anos mais adiantado na Escola do que eu. Tal fato me fez conviver com o Gabriel de um modo singular: primeiro, ele também como aluno ao qual por vezes tinha de obeceder como "lider" eleito. E depois, mais outros dois (anos) já ex-aluno portanto "formado" e, por esse motivo e melhor proveito, levado a trabalhar como funcionário administrativo na secretaria por meu pai, de quem virou o mais fiel escudeiro - e depois sobrevivente aprendiz de feiticeiro, sem mais nada dever a ninguém senão à própria filosofia. Principalmente depois da temeridade, já como funcionário exemplar, de alojar-se em pequeno quarto (espaço reservado à parte dos dormitórios dos alunos: tudo hoje transformado em 5 salas de aulas e outras dependencias nesse então "moderno" pavilhão de janelas amplas, envidraçadas - local reduzido, onde até pouco tempo atrás ficava a biblioteca da EAFI). Pois compartilhava tal aposento com o "filósofo" (esqueço o nome: professor tipo louco-furioso, conhecido pela alcunha de "filósofo" - dizia guardar punhais e revólveres na mala, os quais lá ficavam a "pular" de ódio - assim interrompia aula para esbravejar com algum aluno - enquanto a casa tremia). Pois ficamos todos sem conhecer quais suas artimanhas para assim sobreviver e, nem esse terno branco da formatura precisar lavar de novo para tirar manchas de sangue...

E daí vem outro complexo meu de ordem familiar. Com isso resumido, outro dia demos boas risadas quando recentemente contei essas histórias ao próprio Bié: pois meu pai mesmo sabendo "se" e quando eu ou meus irmãos mentiam ou diziam a verdade, sempre punha "mais fé" na palavra para mim sempre conflituosamente vista como "mais absoluta": a do Bié. Assim, comecei a reconhecer no Bié os meus "absolutos e relativos" circundantes em termos de fé pública, moral estabelecida e razão final - sempre medidos pela palavra abaixo da qual era para ser conferida e acreditada. E olhe, naquele tempo era preciso "ter moral", como se dizia... E no meio da "zalunada" o que mais se falava? Era sobre "quanta" moral o Bié tinha. Lógico, as outras "morais" seriam sempre contrapostas a esse "padrão oficializado". Ou seja, como referência para serem comparadas qualitativamente ou também medidas quantitativamente: se com "mais" moral ou "menos" moral... Mas no fim, depois de tantas tertúlias, todos se reuniam contristados para rezas coletivas, bençãos e orações finais - como era costume. E os pecados ficavam perdoados, ou aliviados. No entanto, enquanto o Bié colhia louros sem maiores complexos, lá em casa, menos afagados, a cinta "cantava" os mais virtuosos corretivos pedagógicos.

E aí, como é que faz? Pois ficamos crescidos em meio às plantões de maior juízo pelo bom Deus jamais esquecidas. Certamente para "sarar" de tantos complexos sepultados pelo esquecimento, teria de devolver alguma palmada pela razão imprecisa e ausência de lembrança havida de minha parte. Outras devoluções, talvez, fiquem por conta do além - para o Gabriel sentir e entender algum puxão pelo pé da cama. Sentia-me um pobre ex-seminarista perdido no meio de tantas virtudes aladas, entre palmas e palmatórias circundantes - sem saber qual delas tinha mais valor.

Problemão. Então sempre ficava aquela dúvida cruel: ué... mas então, quem seriam os arquétipos dos imoralistas na antiga EAVM? Ou só existiriam no meio das oníricas fantasias da juventude transviada em Copacabana - como nos traziam pelo imaginário as longínquas notícias de revistas da época como O Cruzeiro do Rio de Janeiro? Ou estariam nos bailinhos onde em Inconfidentes santa e piedosamente se dançava bolero (Lucho Gatica, Perfume de Gardênia, etc.) de rosto colado - dois pra cá, dois pra lá...?

Mas de todo modo, o Bié era comportado demais. E nem no campo de futebol dava carrinho. Pois virava exemplo em tudo, além de jogar futebol razoavelmente. Principalmente como meia esquerda no 2º quadro e as vezes carregava a bola matada no peito, atravessada entre os beques. Pois vai daí, o Bié impôs sua moral até no futebol, onde virou treinador. E eu, reserva do segundo quadro. Mas essa o Bié não viu. E o Goleiro adversário era o Krikinha. Lembro de marcar gols, um deles memorável: a correr da bola lançada por trás e esperá- la pela sola da chuteira para marcar (Campo da Escola, 1961 - "treino inaugural/Esculacho F.C.").

E claro, tudo isso serviu para também ficar complexado o resto da vida.
Pois meu pai não se cansava de elogiar a correção "desse rapaz", o Bié. Quem, depois, já na qualidade de técnico e preparador tão elogiado por meu pai depois que o time da EAVM se tornara invencível na região, achava de enfileirar os jogadores antes do início das partidas para dar uma colherada de "Karo" entendida como a "nitroglicerina" indispensável ao esforço a ser feito no campo depois; enquanto eu ficava todo cheio de nojo daquela colher coletiva, toda babada que me chegava. Principalmente quando eu ficava na ponta do outro lado da fileira por onde ele autoritariamente começava. E ele, acho que por capricho inconsciente ou maldosa aposta estatística ou outra fatalidade, sempre começava pelo lado oposto onde eu estava. Razão pela qual eu que sempre fui razoável em matemática e cálculos de chance estatística, resolvi virar centro avante- para ficar no meio. Assim economizava metade das babas, enquanto fechava os olhos e imaginava lamber outras delícias do mundo. Mas, como jogar futebol era importante e gostava, conformado com essa meia desgraça tomava por "disciplina": dever de obediência. Espremido entre o autoritarismo do meu pai e, o autoritarismo simultâneo do Bié. Credo!!! Arre... Arre!!!

Enquanto pra nós, os virtuais "play-boys" da época, também mecânicos na oficina da Escola e depois explendores do sol a ventos largados, os filhos do todo poderoso diretor... ninguém esticava tapete vermelho de meio metro até a encruzilhada!

Essa foto mostra o Bié, como assim o chamávamos, ladeado à esquerda por sua mãe. Enquanto à direita minha mãe está ladeada pela Sra. Renato Davini (Maria de Lourdes), outro também saudoso professor dessa escola e, outra senhora daqui de Inconfidentes cujo nome agora não me ocorre (peço socorro a quem possa ajudar). Muito delicadamente, o Bié virou essa fotografia pelo verso e escreveu a dedicatória à minha mãe a qual deixo de reproduzir, dada a surpresa. Era a alma ardorosa "desse rapaz" como assim dizia. O rigor formal sempre revelado e a arquipoética singeleza a espelhar o sonho do futuro dessa figura singular até pela própria psique formadora na história de Inconfidentes, vindo de Itumirim.

Poois para mim a foto revigora aluno da EAVM, reconhecido no depois semelhante diretor da EAFI: condutor da moral espelhada em códigos de disciplina firmados por meu pai. Aliás, sobre questões de "disciplina" em termos de moral libertária implantada, porém simultaneamente repressiva e hedada do antigo patronato agrícola, o Bié será talvez a melhor testemunha da histórica EAFI a partir do contraditório - visto pelo esforço libertário de um lado aplicado, onde se quebravam verdadeiros grilhões educacionais na época. De certo modo, tudo ainda vivenciado na alma e na pele pelo próprio Bié como antigo aluno. Pois vestíamos botina e gandola caqui (numerada), destinados a viver em regime de internato fechado. Pois em Inconfidentes, "zaluno" era quase pária social execrado (claro, não pelas mocinhas). E o Bié pode testemunhar: naquela época, antes da permissão formal para aluno maior de 18 anos se tornar responsável por si e poder fumar cigarro (Continental sem filtro) no páteo, a "zalunada" praticamente voava atrás da guimba para fumar escondido. E também, antes disso, não elegíamos "líderes" entre os próprios alunos - tão mais livres, sinceros e responsáveis passamos a ser depois naquela época a partir daí. Desde valores e pedagogia revisada pela crítica ao antigo sistema. Mas com essa mudança, sob delegada maior responsabilidade pessoal dada ao próprio aluno como treinamento para a vida, segundo pretendia meu pai, muitas vezes foi eleito o próprio Bié: aliás, a bem da verdade, quem nunca fumou. Pois era exemplo maior também por mais essa virtude histórica da humanidade. Ou no recreio da molecada tenha jogado pelada no páteo histórico com bola de meia. Principalmente depois de virar funcionário na secretaria da escola.

Pois só para lembrar quanto de vivências o Bié ainda carregou pelas costas e pode testemunhar: pois nessa psicologia(coletiva) transmudada, substituia-se, enfim, a "pedagogia" da vara de marmelo escolar associada à figura do "guarda de aluno". Menos formalista, embora quase tão rigososo quanto, substituia-se o psiquismo (rigoroso) "guarda" de aluno destinado a reprimir e anotar "partes" ao diretor (denúncias) com "números" pelos quais identificava o aluno "indisciplinado" ao invés do nome (aluno não tinha nome). E ao qual, via de regra se acrescia o qualificativo policial de "mau elemento" - pois! Pois dá para imaginar a transformação desse pequeno mundo após essa noção pela responsabilidade auto condutora dos próprios alunos ser transferida e acumulada em "poder" formal e disciplinar pelo lider eleito para cada mês. E a haver "juri" popular entre a molecada para dirimir dúvidas e aplicar penalidade.

Pois hoje olho a foto da formatura do Bié, todo bonito de terno branco. E hoje o reconheço, de cabelos algo esbranquiçados pelo fim da metamorfose: de aluno da EAVM de ontem para o ex-diretor da EAFI de hoje entre marcas pelos rostos, maneiras de ser, sorrir e abrir o sobrolho - se contrariado ou não em atitude de expectativa. São o mesmo Bié. No fim, para mim, tudo sem surpresas vistas no retrato desse arranjado meio irmão que tive pela vida entre complexos também pela origem desde Itumirim: pois antes de voltar, eu aqui havia nascido. E teria de lidar pelo resto com mais esse "estrangeiro" que aqui ficou, viu e venceu. Ufa!!!

Pouca coisa? Tudo guardado numa velha foto com motivações familiares e reconhecíveis pelo atavismo das coisas em comum. Pois para mim, até aí vale publicamente ser também comunista assumido pelas demais coisas da vida.

Pois hoje crescidos, após vencer suas lutas e peregrinar por reparos, o resultado está aí. E se mais repararmos na foto, chegamos ao ponto onde por fim se superam complexos em causas sob bençãos do pai escolar entre mães reunidas. E como se fosse tradução da dedicatória oculta, onde a "luta fraca não é para homens fortes" - frase pedagógica herdada desde então, hoje festeja o Bié valores do debate aberto na esfera pública: local onde além de se por em fuga portadores de razões menores, somos também capazes de reparar erros, vencer fraquezas (próprias e alheias), remover obstáculos, falsidades e, patologias educacionais circundantes e circunvagantes - para de novo construir e transcender. E até para transformarmos a antiga EAVM em futura universidade federal especializada, crítica e prospectiva, não é mesmo? Mas isso já é projeto a se retomar nascido por proposta do próprio Bié agora em 1994 - coisa que por certo haveremos de dedicar: "Ao futuro, com carinho" (aqui aproveito essa frase inicial da minha irmã Lúcia aplicada em um de seus trabalhos. Artigo intitulado "Novo Caminho" - como matéria pedagógica incorporada - Clicar aqui para ver)

Pois sob o peso dessa herança comum, reconhecidos em nossos velhos pais recompostos em seus lugares, temos finalmente o Bié: visto na foto cercado de mães por todos os lados.

Daí meu complexo com o Bié. Mas isso ja não é novidade. Depois conto o resto.

2 comentários:

werner disse...

Meu nome Ross Werner Faulstich, estudei na EAVM nos anos de 1957/1958, matriculado no curso de Iniciação Agrícola, período este que marcou muito minha vida.
Após esses anos todos, para ser preciso, 52 anos, volto a ter contato com alguém, que possìvelmente foi meu contemporâneo.
Relembro com saudades das pessoas,
do lugar,hoje completamente diferente, como posso constatar pelas fotografias deste blog.
Fiquei muito feliz ao ler algumas homenagens,principalmente ao Prof. Amador. Veja se v. se lembra desta frase que escrevia no quadro negro.
"Quando estiveres para desanimar aguste os sentidos e ouvirás a voz da razão dizer : Perceveres e vencerás. Lindo, muito lindo.
Me lembro de alguns amigos como:
Iracy, um rapaz negro, que quando estive doente, não me lembro se foi febre amarela, ficava ao lado da minha cama, pois eu ardendo em febre delirava e chamava muito pela minha mãe, O Chimbica , de Formiga Fumando suas guimbas no banheiro batucando na porta e cantando as belas músicas de Maísa de Nelsom Gonçalves,Dolores Duran, Lutcho Gatica, estou escrevendo como se pronuncia, Do Joaquim Parmo Rodrigues da cidade de Serra Negra, os irmãos Ubirajara e Ubiratam de Cachoeira Paulista o Prof. Renato,religioso,professor de Canto Orfeônico, o Prof. "pupitre" de francês, vinha de Ouro Fino na sua moto,a Prof.Lídia de História, o Prof. Lerny M. Machado de E. Física ele campeão de boxe Peso Galo, do Sr. Marcelo dono do cinema e instrutor de Agronomia, do Prof. de Zootecnia que nos dava a tarefa de cuidar de um animal valendo nota na prova final.
Da cidade me lembro do sr. Fritz dono da sorveteria e do sr. Mamute dono daquele brechó que tinha tudo da Barbearia da filha do barbeiro, claro... a Ada.

Bem por hoje é só, espero que entre em contato.
Um abração e até breve...
Ross

Unknown disse...

Hoje, sem querer, entrei em contato com este texto que me encheu de saudades. Ross foi meu colega de sala - talvez ele lembre, sei la. Faz tanto tempo e minha vida mudou tanto, estudei em Barbacena e na UFRRJ, depois fui morar nos EUA, qdo voltei fui ser cientista da Fiocruz, Agora, aposentado, tenho tempo de fuxicar o computador e ver essas historias lindas.Não sei se vou se conguirei entrar em contato com o Ross mas vou tentar, abraços a todos meus colegas da época inesquecível de Inconfidentes, Eloi Garcia.